[...] Consideramos a contribuição do primeiro
tauísmo para com a religião nos escritos do Tao Tê Ching e no Livro de
Chuang-tzu. Também notamos a influência do tauísmo no desenvolvimento de uma
ideologia confucionista e na formação do Li Chi e do I Ching. Agora tomamos
o tema do tauísmo religioso conforme ele apareceu durante a dinastia Han, e
conforme continuou a influenciar a vida e o pensamento chineses até ao dia
de hoje.
O tauísmo é geralmente incluído entre as
religiões do mundo, mas chamar-lhe religião pode ser engano, pois inclui
muitos outros elementos. Conforme Holmes Welch escreve, inclui “a ciência da
alquimia; expedições marítimas em busca das Ilhas Abençoadas; uma forma
chinesa indígena de yoga; o culto do vinho e da poesia; orgias sexuais
coletivas; exércitos da igreja para defender um estado teocrático;
sociedades secretas revolucionárias; e a filosofia de Lao-tzu” (1).
A nossa fonte primária do estudo do tauísmo
religioso é o Tao Tsang ou o Cânone tauísta (2), compreendendo uns 1120
volumes que foram compilados durante mais de quinze séculos. A maioria
desses volumes não é datada, nem tem o nome dos seus autores (3) Muitos
estão escritos numa língua esotérica que só os iniciados podiam entender.
Alguns dos livros reivindicam ser revelações divinas feitas aos adeptos
tauístas enquanto em estado de transe. As investigações de H. Maspero
indicam que uns 194 livros, dos quais possuímos os títulos e numerosos
extratos, existiam no século VII AD (4). Destes, o Clássico do Quarto
Amarelo (Huang T’ing Ching), uma produção extremamente mística e esotérica
do século II AD, e o Verdadeiro Clássico do Grande Mistério, (Ta-tung chên
ching) parecem ser os mais antigos. Muita da literatura tauísta, desde o
século IV ao VI, baseou-se em idéias derivadas dessas obras. Quatro
principais correntes convergiam para formar o tauísmo, e parecem ter-se
tornado proeminentes a partir do século IV antes de Cristo.
A primeira era o tauísmo filosófico nós já
discutimos. A segunda, a “escola de higiene” que cultivava a longevidade por
meio de exercícios de respiração e o domínio e o exercício do corpo. A
terceira, um grande interesse pela descoberta de um elixir de vida.
Finalmente, as expedições organizadas e enviadas das costas do nordeste da
China em busca das Ilhas Abençoadas onde se acreditava que crescia a planta
que podia renovar a vitalidade de uma pessoa e manter a vida perpetuamente
(5). Três destes movimentos interessavam-se principalmente pela
imortalidade, mas pela imortalidade ou a vida perpétua concebidas de maneira
diferente da que é aceite pelo cristianismo. O primitivo tauísmo era acima
de tudo uma religião que pretendia atingir a vida sem fim. Visto a vida ser
considerada resultante das relações harmoniosas dos elementos materiais
pertencentes a Yin e a Yang, que antes do nascimento eram invisíveis e sem
forma, então, se esses elementos, que normalmente se dispersavam na morte,
pudessem ser mantidos em perfeita harmonia, a vida seria prolongada
indefinidamente. Infelizmente, essa harmonia interior estava continuamente a
ser perturbada pelo mau comportamento, pela paixão e os apetites, e por o
corpo ingerir elementos dilacerantes que eram a causa material de doenças e
da morte. A eliminação completa de tais materiais por meio da disciplina,
pela dieta, o jejum, o controle da respiração, etc., levaria ao
prolongamento da vida para sempre.
Na época da dinastia Han, em face da lógica da
morte inevitável mesmo para os adeptos tauístas que mais consistentemente
praticavam essas técnicas, os ensinamentos relativos à imortalidade tiveram
de ser modificados. Desenvolveu-se a idéia de que cada um devia procurar
criar dentro de si um “embrião” invisível e imortal. Este “embrião”,
convenientemente alimentado e fortalecendo-se através da vida formava a
verdadeira “individualidade” de que o corpo não era senão uma concha. À hora
da morte, emergia como uma borboleta da crisálida ou como uma cobra da pele,
para vaguear à vontade em perfeita liberdade através do universo ou se
encaminhar para o reino dos abençoados hsien (imortais). Embora o adepto
tauísta parecesse morrer, o que se enterrava na sepultura não era o seu
verdadeiro corpo mas apenas uma semelhança. Corriam histórias fantásticas de
túmulos abertos que não revelavam senão um pau seco ou um molho de roupa
abandonada.
Estes vários fios foram reunidos durante o século
entre 220 e 120 antes de Cristo, e os mais responsáveis foram os fang-shih
ou mágicos que ganharam uma posição influente na corte dos imperadores. O
primeiro imperador, Ch’in-shih-huang-ti, que uniu a China em 221 antes de
Cristo, parece, nos seus últimos anos, ter estado completamente sob a
influência deles, de modo que chegou a medidas incríveis para preservar a
sua própria imortalidade. (6) Um desses fang-shih, Li Shao-chün de nome,
alcançou a confiança do imperador Han, Wu Ti (140-87 antes de Cristo) e
frisou que era possível a um homem tornar-se hsien ou “imortal” e adquirir
poderes mágicos tais como a invisibilidade. Ele fez experiências em alquimia
e persuadiu o imperador a procurar a imortalidade pela transformação do
cinábrio em ouro. (7) Li Shao-chün tornou-se conhecido como um exemplo
clássico do adepto tauísta. Nas suas. Memórias Históricas (Shih Chi), um
historiador contemporâneo, Ssu-ma Ch’ien, diz de Li-Shao-chün:
“Ele abstinha-se de cereais, escapou à idade da
velhice, conhecia o método de evitar a morte e de transformar o cinábrio.
Quando morreu, diz-se que tinha sido transformado e, ao abrirem a sua
sepultura alguns anos depois, não se encontrou cadáver mas apenas sua touca
e roupas”. (8)
Nos processos alquimistas, tais como na
transformação do cinábrio, o primeiro ato importante era sacrificar ao deus
do fogo. Este deus, Tsao chün, depressa se havia de enfileirar com as mais
importantes divindades do tauísmo. No século III AD, adquiriu um nicho em
quase todas as casas. Sob o título de Ssu Ming ou “Senhor dos Destinos”
guardava um registro dos atos bons e maus de cada homem, e a duração da vida
de um homem era determinada pela recomendação dele ao céu. Tsao Chün é a
primeira divindade claramente identificada em associações com o tauísmo (9).
Outra antiga divindade, mencionada no Ch’u T’zu
do século IV antes de Cristo, era T’ai I ou “A Grande Unidade”. Em 122 antes
de Cristo, o mágico Miu Chi recomendou ao imperador que T’ai I fosse adorado
como o maior de todos os deuses. Não muito mais tarde foi venerado um trio
de deuses, associados no domínio de todo o universo. Eram T’ai I, a “Grande
Unidade”; T’ien I, “A Unidade Celestial”; e Ti I, a “Unidade Terrena”.
Dentro de pouco tempo, a invenção e a imaginação tauísta eram para o povo o
universo com inumeráveis seres espirituais, adeptos tauístas, heróis
deificados e forças naturais. Estes formavam uma hierarquia divina que
dirigia o universo à semelhança de uma burocracia do estado, presididos pelo
trio supremo.
Durante a primeira dinastia Han, vários
imperadores inclinaram-se para o tauísmo. Wên-ti (179-157 antes de Cristo)
era provavelmente um tauísta e a religião influenciou-o na abolição dos
castigos de mutilação e de exterminação das famílias de grandes criminosos.
Por um tempo, ele aboliu os impostos da terra que pesavam sobre os
camponeses, e seguiu uma política pacífica para com as tribos bárbaras das
fronteiras da China. O seu filho, Ching -ti (156-140 antes de Cristo) foi o
primeiro imperador a reconhecer o Tao Tê Ching como um clássico (10).
Notas
1. Holmes Welch, The Parting of the Way, Boston,
1957, p. 88.
2. Ver L. Wieger, Le Taoisme, Hsienhsien, 1911,
para uma discussão completa do Cânone Tauísta.
3. H. Maspero, Mélanges Posthumes sur les
religions et 1’histoire de la Chine, vol. 2, Paris, 1950, p. 76.
4. Ibid., p. 77.
5. Os barcos foram enviados para estas expedições
marítimas desde o tempo do duque de Ch’i (357-320 AC). Ver Holmes Welch, The
Parting of the Way, p. 97.
6. L. Wieger, Textes Historiques, Hsienhsíen,
1929, vol 1, pp. 212 ff.
7. L. Wieger, Textes Historiques, pp. 443 ff.;
Holmes Welch, The parting of the Way, pp. 99 ff.
8. Ssu-ma Ch’ien, Shih Chi, tr. E. Chavannes,
vol. 3, pp. 463-4.
9. Holmes Welch, The Parting of the Way, Boston,
p. 100.
10. L. Wieger, Textes Historiques, pp.328
ff.Holmes Welch, The Parting of the Way, p. 104.